Confira entrevista com Almiro Sena, Promotor de Justiça da Bahia falando sobre a questão racial no Brasil.
Almiro Sena Soares Filho é Promotor de Justiça da Bahia e Coordenador do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do MPBA. Em entrevista exclusiva para o Portal do MPRN ele fala sobre a questão racial no Brasil, antecipando um pouco do que ele vai abordar na palestra “Direitos Humanos e as Perspectivas Étnico-raciais”, que ele fará na próxima sexta-feira (19/11), às 14h, na sede da Procuradoria Geral de Justiça.
Como o Sr. vê a condição do negro na sociedade hoje?
Hoje nós vemos alguns avanços, mas há muito a ser feito; pois o racismo está enraizado na sociedade brasileira e isso tem negado oportunidades aos negros, seja no trabalho, na mídia, nos cargos de direção etc. Essa falta de oportunidades acontece não porque o negro não tenha qualificação. Hoje temos pessoas de pele escura nas classes sociais mais abastadas e com nível intelectual alto, mas mesmo assim eles não encontram espaço na sociedade.
O que muda na prática com o estatuto da igualdade?
O Estatuto é o reconhecimento formal do Estado Brasileiro de que há uma desigualdade decorrente do racismo. Mas o maior benefício é que o estatuto estabelece a obrigatoriedade do estado em criar e manter políticas públicas direcionadas para a população de negros mais pobres.
Os críticos do estatuto e de outras medidas nessa área afirmam que essas políticas em favor do negro acabam por passar a ideia de que “o negro é inferior e incapaz de competir em pé de igualdade com os demais e por isso precisam dessas políticas”. O que o Sr acha desse pensamento?
Essa é uma visão equivocada e na maioria das vezes de má-fé. E quando é de boa-fé ela revela o desconhecimento do processo histórico de discriminação do negro. No final do século XIX e início do XX o Estado brasileiro implementou medidas favoráveis ao desenvolvimento e crescimento da população de descendência europeia. O que contribuiu para a desigualdade que hoje vivenciamos. Os negros, embora também apresentem capacidade e talento para competir de igual para igual com as demais etnias, nunca tiveram medidas como essas em seu favor. E essa falta de oportunidades acabou empurrando o negro para a margem da sociedade.
Qual o papel do MP na busca pelos direitos dos negros?
O MP é um agente fundamental e imprescindível para a garantia dos direitos dos negros… E agora, com o estatuto, o MP está muito mais municiado para fazer essa defesa.
Como (e quando) o cidadão pode procurar o MP para garantir seus direitos nessa área?
Caso seja uma agressão racial explícita constitui-se um crime. Nesse caso, o cidadão deve procurar a delegacia ou se dirigir a uma Promotoria de Justiça com atribuições criminais. Se não se trata de crime, mas envolve o racismo como, por exemplo, a negação de um emprego por motivos raciais implícitos, o cidadão pode procurar as Promotorias de Justiça de Cidadania ou de Direitos Humanos levando dados que comprovem o fato.
Como o Sr. enxerga o racismo no Brasil?
Em outros países o racismo é de genótipo, relacionado a descendência familiar. Como no Brasil, devido à grande mistura de raças, fica difícil de identificar quem é negro ou brando o racimo aqui é de fenótipo; ou seja baseado em um conjunto de características superficiais, como cor da pele, tipo de cabelos, feições etc. O que acontece é que se uma pessoa com cor clara mas com traços negros, como cabelo, por exemplo, estiver na Bahia ela pode ser considerada “morena”, mas se essa mesma pessoa viajar para o sul do país será taxada como “negra”. Mas nada contra a diversidade. Essas diferenças existentes no Brasil são fantásticas. O problema é que nós hierarquizamos essas diferenças. E é aí que surge o racismo. Quanto mais características africanas você possuir mais abaixo na escala social você é colocado, você é considerado menos bonito e tem menos oportunidades profissionais.
O Sr. Acha que o problema da desigualdade no Brasil é uma questão “racial” ou “social”?
A Desigualdade é uma questão étnico-racial. Embora exista um grande fator social, normalmente ela está ligada à racial. O negro quando ascende socialmente continua sendo discriminado. Mesmo ele tendo uma condição financeira alta ele continua sendo visto como desconfiança simplesmente pela cor da sua pele. Para se ter uma ideia, nós temos no país negros intelectuais em diversas áreas do conhecimento, mas nos jornais ou programas de TV quando precisam ouvir um especialista nunca os convidados são negros. Hoje o negro só fala como especialista quando se trata de temas relativos a racismo e temas do tipo. Por outro lado, o branco ainda que pobre consegue oportunidades.