Propostas se voltaram para gestão planejada, de forma pactuada, e ações integradas de enfrentamento ao problema da violência, com valorização das polícias, necessidade de investimentos e combate a facções
A sociedade precisa abrir os olhos para a atuação das facções e a segurança pública combater não somente o crime institucional, como o de corrupção, mas os crimes tradicionais, como o tráfico de drogas, roubo de veículos e desmanches, ou essas organizações vão se estruturar ainda mais e dominar a classe política. O alerta foi do ex-secretário nacional de Segurança Pública, Ricardo Brisolla Balestreri, atual secretário estadual de Segurança Pública de Goiás, que participou do workshop “Gestão e Política de Segurança Pública: uma Abordagem Interdisciplinar” realizado nesta sexta-feira (25) pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte.
O workshop teve o objetivo de debater de forma propositiva a importância de uma gestão planejada e integrada de enfrentamento ao problema da violência, e foi aberto no início da manhã pelo procurador-geral de Justiça, Eudo Rodrigues Leite, no auditório da sede da PGJ, em Candelária.
O procurador-geral de Justiça destacou a importância de se buscar ações integradas para encontrar saídas para a crise de segurança pública, de forma pactuada.
O governador do Estado, Robinson Faria, participou da abertura do evento, e, em sintonia com o procurador-geral de Justiça, concordou que o quadro de insegurança crônico é herança da falta de ações integradas além da omissão, durante muito tempo, do poder público. Ele lançou um desafio aos participantes do workshop em se debater também, entre os vários temas propostos, as audiências de custódia, e colocou o Governo do Estado, com todos os seus protagonistas, para participar desse debate sobre a segurança pública articulado pelo MPRN.
Participaram do workshop o ex-secretário nacional de Segurança Pública, Ricardo Balestreri, o coordenador do Observatório da Violência Letal Intencional (Obvio), Ivênio Hermes, o promotor de Justiça Vítor Emanuel de Medeiros Azevedo, o delegado de Polícia Civil Jaime Luiz Groff, e o juiz de Direito Criminal, Raimundo Carlyle de Oliveira Costa.
Para Ricardo Balestreri, não é verdade que se investe muito e investe mal em segurança pública no Brasil, mas se investe pouco e se investe mal. Ele alertou que para mudar o quadro atual é preciso investir, não só ter orçamento para a segurança, mas ter disponibilidade financeira e sem contingenciamentos.
“Se a segurança é a maior demanda hoje da população, precisa ser também de verdade uma prioridade. Quando o cobertor é curto, tem que ter vontade política para puxar para a segurança, tirar de outro lugar. Segurança pública custa caro, mas é preciso investir. Muito mais caro custam as hospitalizações e mortes que chegam a R$ 100 bilhões por ano no País”, disse.
Para ele, o Ministério Público pode contribuir com a temática articulando a nível nacional uma campanha pelo investimento em segurança pública; e também ajuda ao cumprir seu papel tradicional de cobrar, mas das pessoas certas, de quem tem a chave do cofre; bem como participar das normatizações para a polícia e ajudar na análise de currículos das academias policiais.
O coordenador do Obvio, Ivênio Hermes, reforçou o tom de alerta para os investimentos em segurança pública e fez um chamamento ao Ministério Público para se agregar aos organismos sociais pela transparência dos dados públicos, como aqueles que informam a sociedade sobre quem são suas vítimas.
“É possível o MP estimular convênios para que os órgãos tenham acesso facilitado aos dados e contribuir para gerar também soluções. Políticas só se sustentam com aferição para que possamos transformar realidades”, comentou.
O promotor de Justiça, Vítor Emanuel, abordou sobre contribuições e doações para a segurança pública em tempos de recursos escassos. Ele reconheceu o quanto ainda se precisa avançar e todos os envolvidos deixarem a zona de conforto para que os resultados não sejam os mesmos de sempre. “Antes pensávamos que o Estado tudo podia e percebemos que não é bem assim”, disse.
O representante ministerial lembra que quando atuou com atribuições no controle externo da atividade policial expediu Recomendação para que a Polícia Militar normatizasse a questão do preço público para atividades não vinculadas com a ação de polícia, como faz a Polícia Rodoviária Federal (PRF) com a cobrança de determinadas escoltas, deslocamentos e eventos como corridas de rua. “Não é uma privatização da polícia, mas a população não pode ser obrigada a financiar eventos eminentemente privados. Se cobre custos operacionais, como diárias e combustível”, explicou.
Ele não é contrário a doações voluntárias para a polícia, mas alertou que essas doações não podem ser totalmente informais e desrespeitar normas de direito administrativo e financeiro, por exemplo.
O delegado de Polícia Civil, Jaime Groff, palestrou sobre ferramentas para monitorar a produtividade nas delegacias. Ele informou que a Civil tem conseguido aumentar sua produção apesar da redução do efetivo e a estrutura disponível.
Ele fez um alerta de que o Rio Grande do Norte no ano de 2003 tinha 2.424 policiais civis e registrou 409 homicídios, ao passo que neste ano de 2017 conta com 1.303 policiais e já bate a marca de 1.500 homicídios, uma média de 77 mortes por grupo de 100 mil habitantes, que é mais do que o dobro da média nacional de 29 mortes 100 mil habitantes.
“Olhem só o que a gente está vivendo. Praticamente todos nós já mudamos nossas rotinas por conta dessa situação”, lamentou o delegado.
Após a manifestação de cada um dos palestrantes foi aberto o debate mediado pelo juiz de Direito Raimundo Carlyle, retomando-se temas discutidos além de novos questionamentos sobre segurança pública.
O ex-secretário nacional Ricardo Balestreri é contra a ideia de uma polícia única, para ele tem característica de ditadura e não de democracia. Ele defende que é preciso libertar a polícia civil para investigar e a polícia militar para os crimes do dia-a-dia. “As polícias precisam ser completas, hoje temos duas meias polícias que já fazem muito com esse modelo ultrapassado”, comentou o especialista, que voltou a alertar que polícia eficiente não combina com descontrole fiscal.
O workshop foi uma realização do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf) e do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça Criminais (Caop Criminal), do MPRN, com o objetivo de debater de forma propositiva questões referentes à política de segurança pública e sua transversalidade.
A programação foi voltada para integrantes do Ministério Público Estadual, do Poder Judiciário e operadores da Segurança Pública, com representantes das Polícias Civil e Militar. Foram convidados também representantes da Defensoria Pública, Ordem dos Advogados do Brasil – seccional Rio Grande do Norte, e de demais setores com atuação na temática da segurança pública.